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Nacional
Vanessa Barros Cruz em 26 de Setembro de 2016 às 16:11
José Pedro Gomes regressa aos palcos depois de ter estado mais de um mês em coma

"Peça? Estreia? Isso é só lá para 2017”. Mas não, era mesmo daí a poucos dias. Ainda que José Pedro Gomes e António Machado pudessemestar em negação, os meses de ensaios estavam a chegar ao fim, de tal forma que “Filho da Treta” já está em cena no Auditório dos Oceanos, no Casino de Lisboa.

Os dois atores chegaram à hora marcada ao Parque Marechal Carmona, em Cascais, para a sessão fotográfica e entrevista sobre o novo trabalho, que marca o regresso de José Pedro Gomes, de 64 anos, aos palcos, depois de ter vencido o vírus da gripe das aves (H1N1) que o atirou para uma cama de hospital, onde esteve 42 dias em coma. “Para um meio de comunicação morri mesmo!”.

Saber que noticiaram a sua morte marcou-o. “Lida-se muito mal com isso. Isso afetou milhares de pessoas. Diretamente soube de muitas centenas que me vêm dizer que ligaram à minha mulher logo depois de a notícia sair, a perguntarem se estava bem, e ela dizia que sim. E eles pensavam: “Como é que vou dizer-lhe que ele morreu?” Não havia nada a dizer.

José Pedro Gomes resistiu e mal conseguiu, meteu mãos à obra. “Este espetáculo já era para ter estreado em maio, mas depoismorri e agora sobrevivi só para estrear isto. E aviso já: é melhor as pessoas virem rapidamente ver a peça porque ainda me pode acontecer alguma coisa”.

A maneira humorada como fala é desconcertante. “E ainda bem que é, ainda bem. Sinceramente já não me apetece falar muito nisso… Eu não tenho nada a dizer sobre isso. Não me lembro. E tu, António? Viste alguma coisa enquanto eu estava do outro lado?”. “Eu não!”. “Quando me der uma coisa em cena? Como é que tu vais reagir?”. “Opa, oh Zé Pedro…”. “Tens de estar preparado para isso… Já me aconteceu”, afirma, recordando quando se sentiu mal em palco, em 2005, devido a um aneurisma. “Já me aconteceu de tudo”. “Primeiro vou começar a rir…”, desafia o colega e amigo. Uma coisa é certa, se pudesse escolher como seria a sua morte, a resposta surge sem hesitações. “

No palco. Genuinamente. Assim de repente, estou aqui a lembrar-me que podia ser na peça ‘Dança da Morte’, de Strindberg”. “Ao contrário do Zé Pedro, não penso muito nisso. Acima de tudo, devia ser sem dor. Acordar morto deve ser o melhor”, completa o amigo. O episódio que quase lhe roubou a vida não fez José Pedro Gomes alterar as suas ambições, nem os seus gostos. “A minha vida é trabalhar nos palcos, é ser ator. Ainda pensei em ser mecânico, mas não tinha as ferramentas”, ironiza. “E político, Zé Pedro?”. “Político nunca pensei”. Esta conversa reproduz a dinâmica entre os dois, nos ensaios e na peça, que é “uma celebração da vida”, diz António Machado. “O cerne é a diferença de gerações, coisas que apareceram entretanto, coisas que o Júnior domina e de que o Zezé nem faz ideia. De repente ele, surpreendentemente, não sabe”, explica José Pedro Gomes, que admite o misto de emoções, uma vez que este trabalho é uma sequela das famosas “Conversas da Treta”, que interpretava com o amigo António Feio, entretanto falecido. Um peso acrescido para António Machado: “Para mim é uma carga muito grande. Mas não vou fazer a mesma personagem que ele. Acima de tudo não vou copiar. É uma personagem diferente, não vou substituirninguém, nem conseguia.”

Pelo seu lado, José Pedro Gomes deseja que “esta peça seja um marco, como foram as outras conversas da treta, com o outro António. Do ponto de vista em que vamos voltar a fazer uma coisa que teve muito êxito, que foi prazeroso, em que aprendi muito sobre comédia, sobre a amizade, sobre a confiança no colega. Foi uma escola tremenda.” A amizade passa agora por esta nova dupla. “Acima de tudo há um respeito pela carreira deste senhor, e pelo ator que ele é. Bebo a sabedoria deste senhor. Depois… gostamos um do outro fora da profissão, e isso é muito importante. Porque se não, não se cria empatia”, explica António Machado, que recebe elogios de volta do colega: “Ele é muito generoso. Quando estamos a improvisar, por exemplo, estamos a ir para fora de pé e temos de ter  uma pessoa que nos conduza.”

 

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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