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Saúde: 'Não acredite quando alguém lhe disser que somos aquilo que comemos' por Catarina Sousa Guerreiro
Catarina Sousa Guerreiro - Doutorada em Nutrição e Doenças Intestinais
Redação Lux em 1 de Outubro de 2020 às 12:18

Artigo da autoria de Catarina Sousa Guerreiro, Doutorada em Nutrição e Doenças Intestinais

Não acredite quando alguém lhe disser que somos aquilo que comemos. Em bom rigor, somos aquilo que digerimos. Dentro do nosso intestino habita uma comunidade gigante de bactérias (e fungos e vírus), e, como em qualquer comunidade, nela coabitam elementos mais e menos saudáveis. Transpondo isto para o cenário dos nossos intestinos, quando as bactérias menos saudáveis começam a crescer em abundância e as saudáveis perdem expressão, então, a nossa saúde e bem-estar poderão ficar afetados. Aquilo que comemos influencia seletivamente o crescimento dessas bactérias. Isso já não é novidade. Uma dieta rica em gorduras processadas, açúcares em excesso e aditivos faz crescer a “comunidade má”. Já as dietas ricas em fibra ou fitoquímicos, como os polifenois (da fruta e legumes), fazem crescer as “bactérias boas”. Albergarmos uma microbiota (a tal comunidade de bactérias) saudável, significa que processos tão importantes como produção de vitaminas, hormonas ou substratos fundamentais para a parede intestinal vão permanecer em equilíbrio. Isto deverá ser um princípio base para quem quer fazer da alimentação uma ferramenta para a sua saúde. 

É sabido que uma dieta muito variada em fruta e legumes leva a uma maior variedade de bactérias boas. E isso é muito importante. Os estudos mostram que quanto mais variada for a minha comunidade bacteriana, melhor será a minha saúde e bem-estar. A pergunta que se impõe é: como podemos através da alimentação promover esse crescimento e variedade da “comunidade boa”? Tão simples quanto incluir na dieta uma variedade de fontes de fibras como as presentes na fruta, legumes e cereais. A fibra presente nestes alimentos, bem como outros compostos, como, por exemplo, os polifenóis fazem com que a biodiversidade ocorra. Depois existem os alimentos fermentados como kefir ou chucrute, cujo consumo permitirá também fornecer bactérias saudáveis ao nosso intestino.

Tendo em conta isto, fica claro perceber por que não faz sentido praticarmos dietas de exclusão sem um motivo clínico que o justifique. Não precisamos de sumos detox, nem de jejum para dar qualidade aos intestinos. Precisamos de uma dieta variada à custa dos alimentos. Não é raro assistirmos nas consultas de nutrição a pessoas com dietas restritivas, quando na realidade os benefícios que vão retirar dessa exclusão é nulo. Pelo contrário, só traz infelicidade, já que a exclusão alimentar condiciona o normal dia a dia. Ainda está para ser provado que num indivíduo saudável, sem sintomas gastrointestinais, devamos excluir o trigo, ou mais precisamente o glúten, a lactose ou… E não, nenhum destes nutrientes é clinicamente inflamatório, ao ponto de fazer sentido excluí-los da dieta. Obviamente que se as restrições surgem por mal-estar gástrico ou abdominal, então, o discurso deverá ser diferente. Mas aí a solução não deve passar por excluir sem orientação. Uma consulta com seu médico deverá ser o princípio. Será que há alguma doença que justifique os sintomas? A maneira como se alimenta deverá ser parte do processo de tratamento. Não espere soluções definitivas à custa da exclusão alimentar. Isso só acontece quando há diagnóstico de uma doença base, como por exemplo a doença celíaca ou alergia à proteína do leite de vaca ou intolerância à lactose. Nestes casos, excluir o composto que causa doença é fundamental. Não havendo nada de concreto (isto é, um diagnóstico) é altura de pensar a fundo (se ainda não o fez) sobre o estilo de vida que adota, incluindo alimentação, exercício físico, hábitos de sono e técnicas de relaxamento. Talvez o problema esteja “só” mesmo aí. Como já referi, não há uma dieta saudável para todos. Porque albergamos milhões e milhões de pequenas bactérias dentro de nós, teremos com certeza uma maneira única de digerir os alimentos. Para alguns de nós, ingerir alho e cebola só traz benefícios, para outros é causador de mal-estar abdominal. Se para uns ingerir trigo ou arroz é perfeitamente indiferente, para outros isso já não acontece. Se para alguns a batata-doce é uma excelente fonte de nutrientes, para outros é de difícil digestão/absorção. Para que consiga ter um maior conhecimento sobre o efeito que certos alimentos têm em si, não é válido excluir sem propósito só porque alguém o fez, ou porque leu nalgum blog. Como princípios base para uma gut friendly diet (dieta saudável para intestinos) inclua uma variedade enorme de vegetais. Caso tenha sintomas intestinais, existirão com certeza uns que tolera melhor do que outros. Conheça-os, com a ajuda do seu nutricionista, e varie. E quem lhe disser que a sua alimentação não deverá ter fruta, está a enganá-lo. Inclua ainda leguminosas (feijão, grão, ervilhas, favas e lentilhas). Este grupo de alimentos ricos em proteínas, vitaminas e minerais é muitas vezes excluído. Claro está que, em doses elevadas, são altamente fermentáveis. Deve planear com o seu nutricionista a frequência e dose de consumo. Escolha gorduras de elevada qualidade. O azeite virgem extra é a escolha certa. Os cereais também devem estar presentes, sempre que possível, na sua versão mais integral. Em determinadas situações, como aquelas em que há trânsito intestinal muito acelerado, o seu consumo deve ser moderado. Por fim, os lácteos. Nas minhas consultas com doentes com este tipo de queixas, a minha escolha primordial vai para os iogurtes. E se gostarem do kefir, ainda melhor. Povoar o nosso intestino de boas bactérias é o melhor que podemos fazer pela nossa saúde intestinal. Restringir sem orientação só vai criar frustração.

Consultório: Av. Duque d’Ávila, n.º 56, 1.º Dto., Lisboa
Tel.: 213 303 650

 

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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