PUB
PUB
Saude
Saúde: 'Menopausa (sim algo que não a Covid-19)' por Paula Ambrósio, médica ginecologista/obstetra
Paula Ambrósio, médica ginecologista/obstetra
Redação Lux em 18 de Outubro de 2020 às 09:00

A 18 de Outubro celebra-se o Dia Mundial da Menopausa

Menopausa (sim algo que não a Covid-19) por Paula Ambrósio, médica ginecologista/obstetra

Um texto escrito por um médico tem sempre o potencial encanto da informação e o desencanto do possível tédio associado. Percebo desde já todos os que se ficarem pelo título depois de um pequeno suspiro e um arreganhar de dentes...

A menopausa, pomposo termo que define o momento em que os ovários deixam de produzir hormonas suficientes para manter a capacidade reprodutora, é um evento marcante na vida das mulheres (e de todos os que com elas a partilham). A partir deste momento todos os efeitos dos estrogénios desaparecem. Os bons e os maus: como todos sabem as hormonas femininas são o que as torna tão especiais, para o bem e para o mal....

Há quem passe pela menopausa de forma quase invisível, sem qualquer diferença ou problema. Estas são as pessoas mais felizes e, infelizmente, as mais raras. São as que aproveitam toda a plenitude da ansiada libertação das menstruações, das dores pélvicas, do medo de engravidar, das alterações do humor capazes de conduzir a um homicídio caso o móbil seja suficientemente válido, como, por exemplo, comentar de forma errada a escolha dos sapatos ou do penteado novo...

A verdade é que grande parte das mulheres após a menopausa (a última menstruação de todas), vai sofrer as consequências da privação dos estrogénios, as tais hormonas femininas que dominam tudo. Os afrontamentos, as alterações do sono (para pior, bem visto!), a perda da memória e da capacidade de concentração, sem esquecer a secura vaginal (com uma muito provável incapacidade em ter uma vida sexual minimamente satisfatória) são os problemas mais frequentemente referidos pelas mulheres.

Como se não chegasse, existem outras alterações mais evidentes, como a perda de elasticidade da pele, a distribuição inacreditável da gordura corporal, a queda de cabelo, a perda de massa muscular e, perigosa e silenciosamente disfarçado, o início da osteoporose, responsável por muitas e evitáveis fraturas ósseas

Isto é uma catástrofe!! Atendendo à esperança média de vida na Europa e à idade média da menopausa (51 anos) podemos já perceber que vamos passar um terço da nossa vida nesta fase. E do que se leu até agora, não parece muito animador…

Boas notícias. Se há 100 anos atrás, de facto, não era nada animador - valia a resignação e a aceitação desta cruz, com pouco ou nada a fazer - esta não é, de todo, a nossa realidade.

Hoje sabemos como contornar todas estas questões e tudo se resume a identificar os problemas e as necessidades das mulheres. Tudo se resume a falar abertamente das queixas e a procurar os profissionais certos para discutir as possibilidades terapêuticas. Tudo se resume ao equilíbrio entre riscos e benefícios. E tudo se resume a querer sempre mais e melhor para a nossa vida. Até ao fim.

“Ah eu não quero tomar nada porque tenho medo do cancro da mama ou de uma trombose.”

A sério?

De onde surgiu esta ideia?

Bem, é fácil explicar. Há muitos anos, quando se percebeu que a suplementação com estrogénios sintéticos resolvia todos os sintomas problemáticos da menopausa, virtualmente todas as mulheres do planeta quiseram experimentar. E mulheres com variadíssimos problemas de saúde, que hoje sabemos serem contraindicações para o uso da terapêutica hormonal, começaram e fizeram durante muito tempo.

Sim, nestes casos as coisas não correram nada bem, mas, pelo menos, foi possível perceber quem é que pode, ou não, fazer uma terapêutica hormonal da menopausa. Uma avaliação cuidada realizada por um profissional de saúde competente nesta área permite que as mulheres tenham o melhor acompanhamento e a terapêutica mais eficaz e segura para tratar os sintomas da menopausa. E não estamos a falar só de hormonas. Hoje em dia temos no mercado vários tratamentos isentos de hormonas que permitem aliviar os sintomas de forma segura e que é importante conhecer, mas, lá estamos nós, é preciso falar sobre o assunto. 

Compre um leque... Esta é a minha não frase favorita que ainda oiço a sair da boca de algumas mulheres a contarem me como correu a sua última ida ao médico.

Really??

Se me parece impossível ser proferida, ainda mais incrível me parece que alguém aceite esta opção de forma voluntária.  Sim, existem mulheres que não podem mesmo fazer tratamentos hormonais, mas também existem outras opções não hormonais, e não estamos só a falar de suplementos alimentares. O yoga, as técnicas de mindfullness, as alterações da dieta, o exercício físico regular, a perda de peso (se em excesso, claro) podem ajudar, e muito, a controlar e a otimizar os sintomas. E se estamos a falar de afrontamento e afins, também estamos a falar do que podem fazer a outras patologias que muitas vezes começam nesta idade. A melhoria da tensão arterial, dos níveis de açúcar e colesterol, da capacidade de pegar ao colo em dois netos ao mesmo tempo, tudo isto pode melhorar, desde que as mulheres queiram. Sim porque é sempre uma questão de vontade. Às vezes esquecemo-nos das nossas vontades. Do que queríamos ser e fazer. Do que podemos fazer e ser!!

No século XXI é crucial que todas as mulheres percebam que o seu destino só depende delas. Que têm o direito e a obrigação de serem felizes e realizadas. Que não podem ficar à espera que os problemas se resolvam ou desapareçam sozinhos, que têm o poder de decidir o que querem para as suas vidas. Bem, na realidade também podem decidir que não querem fazer nada, mas a chave é a capacidade de decisão, de poderem não fazer, mas sem ser imposto. De poderem ser o que querem.

A COVID-19 veio alterar dramaticamente a nossa vida (afinal sempre vamos falar do coronavírus). De repente tudo deixou de ser importante: desapareceram as outras doenças, os outros problemas, nada tem relevância. Cá estamos nós de novo nas nossas necessidades e desejos. Nada mudou em relação a isto. Temos medo de ir ao médico falar dos afrontamentos que começaram e não acabam? Fácil, marcamos uma teleconsulta e falamos, olhos nos olhos. E temos medo de ir à farmácia comprar os comprimidos ou o gel hidratante? Nop, com tantas entregas em casa e compras online também não me parece uma boa desculpa.

Os dias mundiais servem para chamar a atenção para problemas importantes que tendem a ser descurados e, pelo menos nos dias seguintes à célebre data, nos fazem pensar e, espero eu, agir no sentido de melhorar. A 18 de Outubro, por sinal hoje, celebra-se o Dia Mundial da Menopausa e se calhar podia ter começado logo por aí, mas enfim, deu-me para guardar para o fim. Porque um dia é um dia, e se não percebermos bem do que estamos a falar e não ficarmos curiosos é mesmo só um dia. E a menopausa marca o início de muitos dias que merecem ser vividos em pleno.

Feliz Dia Mundial da Menopausa e, acima de tudo, feliz vida após a menopausa.

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
Comentários

PUB
pub
PUB
Outros títulos desta secção