Tinha apenas 14 anos quando, em 2002, um homem entrou no quarto onde dormia e que partilhava com a irmã, Mary Katherine, de 9 anos, lhe apontou uma faca ao pescoço e a obrigou a segui-lo. A irmã fingiu estar a dormir, mas viu tudo. Porém, o medo e o choque não a deixaram lembrar-se dos pormenores, ou da cara do raptor durante muito tempo. Elizabeth foi levada pelo pregador de rua Brian David Mitchell, que, com a cumplicidade da mulher, Wanda Barzee, a manteve cativa no seu acampamento, no meio da floresta, não muito longe da casa dos Smart. Poucas horas depois do rapto, o casal tirou-lhe o pijama e vestiu-a com vestes brancas. Mitchell fez um ritual de casamento com Elizabeth e, de seguida, violou-a, sempre com a mulher presente. Seguiram-se nove meses de terror, até a polícia a salvar, depois de testemunhas a terem visto com o casal e a irmã se ter lembrado, finalmente, que o homem que naquela noite lhes entrou no quarto era um sem-abrigo a quem a sua mãe ajudara com uns trabalhos de reparações lá em casa.
Desde que foi salva, Elizabeth Smart escreveu os livros “Escolhi Viver” e “Onde há Esperança”, e transformou a sua horrível experiência numa plataforma para ajudar outros sobreviventes de traumas como o seu. A agora defensora de segurança infantil e oradora criou também a Fundação Elizabeth Smart, que consciencializa para o drama dos raptos, violações e tráfico humano e trabalha com escolas para ensinar as crianças a protegerem-se.
A sua história é sempre contada na primeira pessoa para alertar a sociedade: “Fui raptada. Um homem entrou em minha casa, esgueirou-se para o meu quarto, encostou uma faca ao meu pescoço e disse-me para me levantar e ir com ele ou matava-me. Fui acorrentada e violada diariamente, às vezes, várias vezes ao dia. Forçava-me a beber álcool e a consumir drogas. Muito metodicamente, tentou tirar-me a identidade e todas as ligações que eu tinha com família, amigos, sempre sob ameaça de me matar e de matar a minha família e dizendo que haveria consequências severas se eu continuasse a falar deles.” Elizabeth deixa ainda um aviso para a dramática e perigosa culpabilização das vítimas: “Quando nos perguntam ‘por que não fugiste?’, ‘por que não gritaste?’, o que ouvimos é ‘devias ter fugido’, ‘devias ter gritado’, ‘não fizeste o suficiente’, ‘não deve ter sido assim tão mau, porque não fizeste nada para tentar escapar’. Não interessa se estamos em casa, na nossa cama, ou bêbedas num bar, há coisas neste mundo que em circunstância alguma podem ser feitas, e a violação é uma delas.”
Ao mesmo tempo, defende que o movimento #MeeToo trouxe alguma esperança às vítimas: “Durante anos, as vítimas sentiram-se tão isoladas, tão sós, ninguém queria falar, ninguém queria ficar marcado, mas acho que agora sentem que podem falar, que têm uma grande família de sobreviventes com elas.” No entanto, defende que há ainda muito caminho a percorrer: “Quero que sejam tratadas com respeito e dignidade, que as pessoas parem de olhar para elas como se tivessem feito algo de mal, porque não fizeram e isso não é justo.” Elizabeth decidiu lutar e dar significado à sua vida, ajudando outras pessoas e assume: “Não estava disposta a aceitar que o meu destino era viver infeliz o resto da minha vida. A verdade é que acontecem coisas que não merecemos, mas não podemos desistir, porque só temos uma vida, e não importa o quão injusta ela possa parecer, somos nós que a definimos.”
Na altura em que se completam 19 anos desde que foi salva, a 12 de março de 2003, Smart partilhou uma foto em família nas redes sociais e escreveu: “Sempre acreditei em milagres, mas hoje faz 19 anos do maior milagre que já vivi. Só queria dizer obrigada a todos os que ajudaram a resgatar-me. Obrigada a quem rezou, procurou por mim e me apoiou durante todos estes anos. Serei eternamente grata. Estou feliz hoje, e sinto-me tão sortuda por ter encontrado o meu marido e melhor amigo, e por ser a mãe dos meus três bebés. Durante algum tempo este sonho pareceu-me longe do alcance, de facto completamente inalcançável. Por isso, hoje, quero dizer aos que ainda procuram: vocês permanecerão sempre nas minhas orações e recuso-me a perder a esperança de que os vossos entes queridos serão encontrados. E aos que ainda estão desaparecidos, não desistam, porque milagres acontecem, vocês merecem ser encontrados, resgatados, e ser felizes.”
Elizabeth Smart e Matthew Gilmour conheceram-se numa missão mórmon, em Paris, em 2009. Ficaram noivos em janeiro de 2012 e casaram-se um mês depois, no Havai. Têm três filhos, Chloe, de 7 anos, James, de 4, e Olivia, de 3. Smart assume que é uma mãe “superprotetora”, mas diz que o marido a ajuda a “descer à terra”. O seu raptor, Brian David Mitchell cumpre pena de prisão perpétua, mas a mulher, Wanda Barzee, saiu em liberdade, depois de 15 anos presa. Na altura, Elizabeth expressou a sua “surpresa e deceção”, mas disse: “Continuemos sempre vigilantes com a nossa família, amigos e comunidade, de todos os que procuram magoar-nos... Acredito verdadeiramente que a nossa vida tem de ser feliz e bonita, e é esse o meu objetivo para a minha família.”