A “VAGA” DO DESESPERO por Filipa Guimarães
A Maria tem 12 anos e foi para a casa da avó, para a mãe poder estar a acompanhar o irmão mais novo nas aulas. Se 2020 já tinha sido muito difícil para esta família, 2021 não se aparenta muito melhor. Pelo menos, por enquanto... Por vezes, penso que os nossos governantes vivem numa bolha e que não fazem a mínima ideia do que é estar em casa com filhos pequenos. Será que têm todos explicadores para os filhos? Quem lhes trata das refeições e da lida da casa? Empregadas, claro. Nada contra terem ajuda, mas tudo contra não terem noção do que se passa. Mas volto à Maria. Nesta semana, a professora de Geografia encheu-a de trabalhos para fazer. A avó, coitada, não está (nem tem de estar) a par da matéria e por mais colaborante que seja, também não tem que saber como é que a latitude influencia a temperatura na Terra. Por isso, a Maria teve que se “telequeixar” à mãe, através de vídeo. “Olá mãe. Tenho não sei quantos testes e TPC para fazer para a semana”, conta, “a professora mandou-me fazer isto, isto, isto...”, diz, apontando para os exercícios no livro. Eram quatro e tinham de ser feitos até ao final da semana. Não estou a par do grau de dificuldade, mas não é preciso. Percebi pelas frases longas que havia muita coisa para “explicar”. Face a tanto trabalho, a Maria mais não fez do que desabafar: “Oh pá! Tenho isto para fazer e estou sem (faz pausa) paciência!”, atirando uma revista que estava ao lado para o chão. Estes cinco segundos foram-me mostrados pela mãe que, compreensiva, me contou que se tinha rido às gargalhadas. É evidente que não disse isso à filha. “Ela tem razão!”, contou-me: “Os miúdos estão fartos de estar em casa, cheios de deveres”, continuou. Longe fisicamente da filha, o mais que pôde fazer foi telefonar-lhe e pedir que se acalmasse. Mandou-a ir brincar e espairecer um bocado. Em pandemia, quer dizer ir brincar para a internet ou ver televisão. Imagino um país de Marias, cansado e impaciente. Como conseguimos ralhar ou pedir paciência a miúdos que estão com as rotinas todas trocadas e, pior ainda, com os responsáveis políticos a darem ordens contraditórias? Que respeito se pode pedir às crianças quando os “de cima” hesitam? Férias fora de tempo, planos de estudo quando planeavam poder estar com amigos ou primos, cheios de saudades uns dos outros? Maria, estás cheia de razão, mesmo sem saberes. Vamos ter esperança de que as ajudas que venham sejam bem investidas, porque ninguém te pode devolver os teus tantos quilómetros de bicicleta por fazer. Quem diz bicicleta, diz outra coisa qualquer.
(Crónica publicada na revista Lux 1087 de 1 de março)