por Tiago Salazar
UN CONARD I
Abordei duas mademoiselles parisienses no intuito de lhes explicar o que faço eu aqui, a vender petit ballades nas ruas de Lisboa e arredores. Chegou então o patriarca achando estarem as moçoilas na mira de um perigoso gitane tisnado e desbocado. Quando dizia ao grou empertigado “on peut” para explicar a finalidade do passepartout trata o empertigado de me corrigir o francês com acento de Rue Foche. Achei a coisa grosseira e devolvi em português de Bocage. Ide levar na bilha, seu cona de sabão. Traduzi com esmero para “allez vite vite monsieur le conard” antes que te escarre nas ventas. Os franceses são italianos maldispostos e os parisienses juntam a sobranceria mais falta de respeito pelo estrangeiro. Logo a seguir entraram no tuk três boas almas de Toulouse e largaram a nota e o pourboire com a certeza de darem notícia do embaixador Salazar. C’est la vie de um chofer par hasard.
RACISMO & GUERRA & CIVIS I
Escrever (e pensar) dá trabalho. Requer mão, cabeça, coração, dedos (uma ponta e indicador que seja). Apontar (o dedo, a arma) é fácil. Reflectir sobre um assunto (post, frase, alínea, ensaio, haiku, programa partidário, intervenção, piada…) implica recuo. O que é um racista, por exemplo, e fico-me por aqui? Alguém que vê noutra raça um inimigo, um alvo a bater ou abater, por regra da forma mais cabotina, fazendo-se rodear de pares encarniçados. O racismo é uma aberração, e só um acéfalo, psicopata, sociopata, agitopata, proclama a sua raça como superior. Só existe uma raça: a humana. O resto são variações coloridas e pequenas diferenças de ADN (sendo os de raça dita negra os mais evoluídos, e antigos à face da Terra, peritos no que toca a resistir e sobreviver). As discussões recentes (de sempre) à volta do crime do polícia americano, das governações fascizóides de um Trump ou Bolsonaro, dos perigos do aventureiro Ventura vão todas dar ao mesmo, que é o calcanhar de Aquiles da Humanidade chamado dicotomia, e os seus líderes não fazem mais do que manipular as frustrações das massas incautas. Ou se é fascista ou comunista. Ou pró ou contra. Os argumentos civilizados, onde se pressupõe uma leitura séria dos acontecimentos e dos protagonistas, não imperam, fazendo de todos cúmplices do populismo. Numa hora-época agitada como esta, a resvalar mansamente para o perigo do canibalismo, talvez fosse mais interessante assistir a uma Manifestação sobre como matar a fome aos esfomeados. Basta dar um giro para se ver como o número de pedintes da bucha supera em larga escala as vítimas da Covid. Quanto aos números da estupidez humana não há como quantificá-los.
(Crónica publicada na Lux 1079 de 4 de janeiro)