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Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'Calma! Os cães não são pessoas nem as as crianças adultos'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: Carlos Ramos
Redação Lux em 8 de Outubro de 2020 às 18:00

"Calma! Os cães não são pessoas nem as as crianças adultos" por  Filipa Guimarães


Sim, não há melhor amigo do Homem. Sim, a uns só lhes falta mesmo falar. Sim, gostamos mais deles do que de certas pessoas. Sobretudo, se estas forem muito más. Aí, deviam estar presas. Não obstante, ando a constatar que existe uma transferência algo excessiva de afetos das pessoas para os cães. Quem diz cães diz animais domésticos em geral. É inegável que foi um passo grande eles deixarem de ser “coisas” e passarem a terem identidade jurídica. É um avanço civilizacional que passe a ser crime quem os maltrata ou abandona. Sem negar todas as qualidades e benefícios que existe neste convívio doméstico entre homens e animais, confesso que me choca muito sempre que vejo (e acreditem que é cada vez mais frequentemente) adultos a tratarem melhor os canídeos do que as pessoas, sobretudo se estas ainda forem pequeninas. Penso que a empatia humana com os animais é (ou deveria ser) igual à que temos com as crianças: ambos estão numa condição de vulnerabilidade e de desproteção. Não se podem defender sozinhos. Esta semana fiquei pasmada com duas cenas a que assisti na rua, num jardim onde se passeiam cães e crianças. Não sei o que aconteceu durante o confinamento (ou está a acontecer agora, no desconfinamento), mas noto uma impaciência enorme dos pais com os filhos. Será por terem máscara? Os miúdos ouvem-nos pior? Não me parece. A não ser que as crianças estejam ao colo, não são da altura dos pais e… isso nunca os tornou surdos. A desobediência faz parte da infância. Que criança quer sair de um parque infantil quando está divertida? É mais que natural que o pai ou a mãe a tenham de chamar duas ou três vezes para se irem embora. Claro que existem petizes demasiado rebeldes ou ativos. O que não se gosta é de assistir a pais a perderem a paciência com miúdos, como se eles fossem adultos. E com frases de adultos. Se fico chocada ao ver tratar mal um animal, porque não irei ficar quando se trata de crianças? Só num dia ouvi uma mãe a dizer, bem alto “era só o que me faltava!”, quando a filha não entrou logo num carro, distraída com um brinquedo que trazia com ela. Logo depois, um homem bradava no passeio com um miúdo vindo da escola: “não vês que não podes ir para a rua?!” Tudo isto se assimila, mas ninguém é, nem ter de ser, de ferro. O contraste entre as pessoas que passeavam os animais (parece que cada vez há mais com nomes de gente, por sinal) e os pais que estavam com os primogénitos, fez-me pensar. Quero acreditar que a culpa é do vírus e do stress todo que anda no ar. Mas que não se torne uma “moda”, esta coisa de ninguém se incomodar por ver pais aos berros com os filhos. Para a próxima, não sei se deixo passar...

(Crónica publicada na revista Lux 1066 de 5 de outubro)

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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