PUB
PUB
Nacional
Mário Augusto chora a morte da mãe
Mário Augusto com a mãe, Laura
Redação Lux em 9 de Janeiro de 2023 às 10:15

Mário Augusto chora a morte da mãe, Laura, que morreu aos 84 anos, esta sexta-feira, dia 6 de janeiro. O jornalista, autor e apresentador de vários programas de divulgação de cinema, deixou um emocionado texto em homenagem à progenitora.

"É sempre estranho sentir que deixamos de ter o colinho. A minha mãe lá partiu, como foi a sua vida, muito digna e serena sem se queixar nunca.Esteve rodeada de filhos e netos como quando alguém faz uma viagem e nós juntamo-nos para a despedida. Estivemos todos lá com ela que ontem nos olhava como quem conversa. Quis agarrar a mão de todos um a um, netos, namoradas, filhos genro e nora, a todos ela apertava com uma mão frágil até adormecer num respirar ofegante. Achamos que iria dormir assim, boa pulsação igual aos outros dias, por isso decidimos ir todos dormir quase às duas da manhã, a Margarida a minha irmã com nome de flor resistente, ficaria a dormir lá em casa. Todos foram embora. Por minutos ela apanhou-se sozinha e partiu. Tranquila, como sempre foi nos silêncios e como gostava de estar, escapuliu-se depois de a todos ter apertado a mão e nos ter olhado com o seu tranquilo olho azul", partilhou.
 

A mão que ainda há dias me apertava, hoje já sem força lá acenou para dizer adeus e partiu.
É um estranho esvoaçar que cumpre os ciclos da vida. Chegam uns num choro de descoberta, partem outros que viveram muito e que nos fazem chorar, mesmo sabendo que assim é e sempre foi.

Nestes dias e nestas circunstâncias de dor há uns momentos em que vemos o filme ao contrário, por momentos rebobinámos o nosso filme em Super 8 e lá vemos outra vez a correr aqueles passeios de domingo, a mãe a pentear-nos janotas, o orgulho dela quando alguém nos elogiava a simpatia rechonchuda de bebé que como se sabe, aos olhos dela era sempre o mais bonito de todos.
Nesse filme da vida que vemos passar na memória nestes instantes mais tristes, não há cenas de birra ou da palmada, a tabuada que ela nos cantarolava para que nós a decorássemos melhor.
Está lá o beijo repenicado,inesquecível e antigo, uma gargalhada solta e feliz pela travessura, aquela vez em que aos doze anos decidi pegar no carro do meu pai e conduzi-lo estrada fora e ter a minha mãe e a vizinhança a correr atrás aos berros...aí que ele se mata! Rever a cena, parece-me um filme italiano do neo-realismo.
Não me matei, só me espetei a fazer uma curva, deixando o carro um bocadito amachucado. Ela lá me protegeu da zanga do pai.
Era a mãe presente que nunca percebeu no que eu me metia quando fiz a opções profissionais que sempre apoiou. A mãe como as boas mães que não se deitava ou adormecia enquanto eu não chegasse da noitada e sempre acreditava em mim...mesmo sabendo que às vezes eram mentiritas que ela topava a léguas.
Nesse filme que vejo a correr como um consolo, oiço o meu pai cantar-me na cama a canção do Zeca:

O meu menino é d'oiro
É d'oiro fino
Não façam caso que é pequenino
Não façam caso que é pequenino

Há um dia em que percebemos verdadeiramente que os pais também envelhecem e partem. Foi hoje. Na verdade, aos nossos olhos sempre foram mais velhos, mas há aquele momento em que reparamos em alguém muito frágil porque o tempo, essa engrenagem complexa não abranda.

É sempre estranho sentir que deixamos de ter o colinho. A minha mãe lá partiu, como foi a sua vida, muito digna e serena sem se queixar nunca.

Esteve rodeada de filhos e netos como quando alguém faz uma viagem e nós juntamo-nos para a despedida. Estivemos todos lá com ela que ontem nos olhava como quem conversa. Quis agarrar a mão de todos um a um, netos, namoradas, filhos genro e nora, a todos ela apertava com uma mão frágil até adormecer num respirar ofegante.

Achamos que iria dormir assim, boa pulsação igual aos outros dias, por isso decidimos ir todos dormir quase às duas da manhã, a Margarida a minha irmã com nome de flor resistente, ficaria a dormir lá em casa. Todos foram embora. Por minutos ela apanhou-se sozinha e partiu. Tranquila, como sempre foi nos silêncios e como gostava de estar, escapuliu-se depois de a todos ter apertado a mão e nos ter olhado com o seu tranquilo olho azul.

Estamos bem, conhecemos o sentimento de outras vezes, mas nunca deixa de ser aquela sensação de um furacão emocional a atravessar um buraco de agulha. Lá se foi aquela palavra que abraçava, o recado de cuidado com a vida fora de portas, o nosso primeiro berço orgânico, aconchegante e protetor.
É a vida mas que todos, crentes ou não, desejamos que esteja também para lá da que conhecemos, a que nos fustiga e aperta. Agora mais ainda sem o tal colinho que nos deu tudo e daria mais se tivesse, até a vida por nós … era a mãe.

Queria poder outra vez enroscar-me no seu regaço como quando chegava da escola em pequenito, mas já cresci muito, mas é bom sentir que eu e a minha irmã fomos até ao fim os seus meninos.
Que nunca nos falte a memória. As mães merecem a eternidade, mesmo quando a memória delas se apaga, sentimos que esvoaça nas coisas soltas das vivências diárias.
Carinhosamente os seis netos chamam-lhe dona Laura ou Laurinha. Será desde hoje a nossa recordação mais viva , as histórias que queremos contar até um dia qualquer.
Desde já obrigado pelo vosso conforto e simpatia.

Mário Augusto

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
Comentários

PUB
pub
PUB
Outros títulos desta secção