"Não somos a cereja para o “drink” da Ministra" por Filipa Guimarães
Graça Fonseca só pode estar a brincar com quem trabalha (neste caso, os jornalistas), mas, sobretudo, com quem deixou de trabalhar na cultura por causa da pandemia. Com artistas, técnicos, pessoal auxiliar e todos os que, parcial ou totalmente precários e funcionários do ministério que tutela, ficaram sem parte ou todos os rendimentos. Logo em abril, soube de vários casos concretos de famílias sem dinheiro para viver, quanto mais para tomar “drinks” de final de tarde. Enquanto a ministra aparece aos jornalistas para não falar do que a todos incomoda e, em vez disso, os convida a tomar um “drink” (uma tequilha sunrise, um gin tónico ou Martini?), é a mesma coisa que mandar areia para os olhos de todos os que, sem dinheiro nem “modo” para tal espírito, precisam urgentemente de saber quando podem ir encher a despensa. Ninguém espera que, num evento cultural de apoio às artes, um responsável político tenha particular prazer na aflição do sector. Mas não é com “chill out” que as coisas se resolvem. Esta saída de Graça Fonseca, que começa a ficar no elenco governativo como uma gaffeuse, ofende um país a braços com a maior crise anunciada de todos os tempos. Saberá ela das noites passadas em branco de todos os que perderam avenças mal declarado o estado de emergência? Faz ela ideia da quantidade de instituições culturais que estão em agonia? Faz, pois. Por isso, cai-lhe pessimamente este estilo urbano-chic. Com certeza, não lhe cortaram o salário e que a seguir ao drink não chega a casa depois de apanhar um ou dois transportes de máscara posta (onde nem um golo de uma garrafa de água de plástico pode dar para tirar a sede) e pensar num jantar económico e rápido. Se não tem problemas de liquidez, insónias nem empatia para os que as têm, que vá tomar drinks (e tudo o que lhe apetecer) fora da vista dos jornalistas. Talvez não se lembre, protegida pela sua pele (provisória) de ministra, que os jornalistas estão lá a trabalhar. Nesta altura, são eles que têm de trazer as notícias às pessoas. Há várias maneiras de ignorar os portugueses. Esta foi de péssimo gosto. Esperemos que a sua agenda não se torne prolongado tchim-tchim.
(Crónica publicada na Lux 1058 de 10 de agosto)