por Tiago Salazar
REALITY SEM SHOW I
Ora, se os apoios individuais da Segurança Social rondam as duas ou três centenas de euros e o ordenado mínimo pouco acima das seis, sendo o preço médio de um T1 idêntico ao referido salário, como é que a maioria sobrevive? Inventa expedientes, é claro. Endivida-se, pois então. Recorre aos biscates, tá claro. Entretém as frustrações de pobres diabos com a chincha e as eleições ‘amaricanas’. Os funcionários públicos, em teletrabalho e de pijama e chinelos, não respingam com os ditames de clausura. Os outros andam ao tostão. Nunca se viu tanto mendigo de mão estendida. Os roubos seguem a curva ascendente. De tudo o que estiver a jeito e à mão de semear. As massas andam a trouxe-mouxe do famigerado vírus como nos tempos medievais, receosas do contágio, acometidas do medo, da morte e da penúria. Salva-se quem puder, a apresentar programas de TV, rádio, a ler notícias da desgraça colectiva de fato e saia travada, a jogar à bola, a agenciar, a inventar vacinas. Os outros, a maioria, improvisam o pilim para dar ao dente, pagar as contas, suster os impactos colaterais de uma vaga que fará danos e sangue.
COM AMIGOS COMO ESTES I
Não sei qual a pior conclusão, se um inimigo declarado ou um amigo farsola de mão mole, espinha arqueada e língua bífida. Em puto tive a felicidade de me dar com uma mão-cheia de amigalhaços, daqueles que repartem metade da sandes, despem a única camisola se vêem um amigo enregelado ou sacam da nota sem hesitar. Os melhores amigos que fiz foi na infância e ficaram até hoje. São como irmãos de armas e se houver azar basta gritar o santo e senha mosqueteiro. É raro fazer um amigo na idade adulta. Descobrir que um amigo nos zomba a sorte nas costas ou nos crava o kit de facas nas omoplatas até perfurar a aorta é um desgosto superior a um par de chifres, que sempre nos remete para um jardim florido. Que fazer ao farsante? Confrontá-lo com as suas facetas de ímpio e de ínvio, e aplicar-lhe uma sequência até ao knock out técnico com os argumentos todos do porquê de o estarmos a recambiar para a lixeira do astral? Ignorá-lo, como uma cadeira mal estofada de uma loja de velharias? Depois de anos de convívio e confidências, ao sabor dos ritmos de qualquer vida de animada confraria ou em desabafo de padecimentos, é triste saber que nos usam as confissões com acrimónia ou nos aludem a outros, por vezes da mesma tropa, com reles soberba. Ursos e cobras, de garras ao alto ou a rastejar, imbuídos pela intriga. Dão bons argumentos narrativos.
(Crónica publicada na Lux 1080 de 11 de janeiro)