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Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'Quando isto acabar'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: Carlos Ramos
Redação Lux em 25 de Fevereiro de 2021 às 18:00

“Quando isto acabar” por Filipa Guimarães

“Quando isto acabar”, ou “acalmar”, tenho uns 20 jantares, umas tantas festas (sem contar com os aniversários não condignamente celebrados, como o meu...), uma “pijama party“ de um fim de semana, uma viagem à Índia, outra a Praga (já não vai calhar na primavera...) outra a Marselha e uma ida sempre adiada aos Açores. Fora os encontros normais para jantar, almoçar, tomar café e dar passeios sem-fim. A um ritmo de mais de 18 mil vacinas por dia, um dia isto irá mesmo abrandar. Depende, agora também, do fornecimento das ditas cujas que, de acordo com o nosso primeiro-ministro, devem chegar já em março. Esta é a versão a que me agarro, numa altura em que o desespero começa a tomar conta de mim. Os fins de semana estão a ficar insuportáveis, com o impedimento de circular e tratar de coisas, ainda que não urgentes. Andamos a viver nas margens do possível há muito tempo e, segredo-vos, não é mesmo nada fácil para quem vive apenas com um gato. Os amigos também já estão cansados, os meus pais não ligam o WhatsApp (sim, ver as pessoas é importante!) e combinar coisas para as calendas já me cansa. É como estar a escrever ao Pai Natal que me traga presentes não sei quando. Até lá, vou sabendo de mais amigos que perderam familiares, as páginas do Facebook enchem-se de memórias e palavras de pêsames e até já há séries com máscaras. Não fossem as aulas de ginástica por Zoom, em que a linguagem corporal dispensa a verbal, já teria enlouquecido. Este ano, finalmente, começaram a falar dos efeitos colaterais desta pandemia em curso: uma epidemia de doenças mentais. Os clínicos de saúde mental atendem velhos e novos pacientes, com as vidas transformadas por todos os motivos: laborais, relacionais e existenciais. Como manter a sanidade fechados em casa e mesmo confinados na rua, longe de família, amigos e colegas? Os e-mails e as mensagens não substituem as vozes, não nos trazem o tom nem nos dão o toque. “Quando isto acabar”, como vai ser? Recuperaremos alguma coisa, mas será sempre gradualmente. Para já, a minha primeira ânsia é que os meus pais recebam a tão prometida chamada para a vacina. Era um respirar fundo para eles e para mim. Depois, vai ser o problema dos vacinados e não vacinados, da duração da imunidade, dos mais e menos prioritários. E até lá? O truque é continuarmos a respirar. E, se possível, a não ceder a tentações.

(Crónica publicada na revista Lux 1086 de 22 de fevereiro)

 

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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