COMO É QUE OPRAH CAIU NISTO? por Filipa Guimarães
A entrevista de Meghan Markle a Oprah Winfrey teve momentos de infantário. A começar pelas perguntas estudadas de tão reputada, seguida e apreciada apresentadora. Porque não me parece que não tenha sido combinada. A resposta da atriz a um episódio passado entre as ainda futuras cunhadas, uma semana antes do casamento sumptuoso com Harry, é reveladora. “É verdade que fez chorar Kate?”, como na sala da diretora da escola. “Não”, responde a alegada vítima de racismo dentro da família do marido: “Foi o contrário.” O motivo foram as flores das damas de honor, explicou a duquesa de Sussex, com ar de desdém. Pelos vistos, houve um pedido de desculpas. Para quê, então, remexer num assunto familiar, em público e a ser visto por milhões? Nem é preciso dizer que o racismo é horrível e algo a combater. Seja numa favela do Rio de Janeiro, em
Washington ou em Londres, mas a entrevista destas “revelações” diz mais sobre quem acusa: a procura de protagonismo. É grave, porque ela lançou a suspeita sobre uma chefe de Estado, por sinal a avó do marido, bisavó dos seus filhos e que soube pelas redes sociais que os duques não queriam privilégios e iam viver para fora. É grave por lançar a suspeita sobre uma família inteira. Não é sustentável acreditar na tese de que a atriz de “Suites”, da Netflix, não saiba o que se passou com a sogra, a tão estimada Diana. Alguém tem dúvidas de que isto vai só no início? É de uma enorme ingenuidade pensarmos que a seguir a este precedente não se sigam mais episódios, insinuações e respetivos desmentidos. O fosso cultural entre os Estados Unidos e a Europa, entre colonizadores e colonizados, brancos e negros, só aumenta com entrevistas assim. Em última análise, é preciso ser-se muito fútil e irresponsável para conceder uma entrevista assim. Numa altura de pandemia e em que existem problemas sociais tão grandes, quando o mundo se debate com verdadeiros problemas de sobrevivência, pobreza e crise económica, o que interessam estas tricas domésticas? Sejamos republicanos ou monárquicos, brancos ou negros, europeus ou africanos, esta entrevista é de um oportunismo e falsidade pornográficos. Como é que uma pessoa inteligente e influente como Oprah Winfrey foi nesta onda populista é que permanece um mistério. Só pode ter sido por dinheiro e por uma visão abusiva do que se passou. Ao menos que oferecesse o chamado “contraditório”. Porém, mais importante do que a crise familiar, a entrevista acaba por ofender quem luta pela igualdade de direitos entre brancos e negros. Não por desavenças entre cunhadas e preconceitos expectáveis numa família conservadora. Assim, não vão lá, meninos...
Crónica publicada na revista Lux 1090 de 22 de março de 2021