Poucos dias após a data daquele que seria o 24.º aniversário de Sara Carreira, a 21 de outubro, Tony Carreira e Fernanda Antunes foram confrontados com os relatos do trágico acidente que tirou a vida à filha, no final da tarde de 5 de dezembro de 2020, pela voz dos que estiveram envolvidos no mesmo. Um confronto real e doloroso, que reabre uma ferida que nunca irá sarar por completo, mas necessário para, como desejam, averiguar as responsabilidades dos quatro arguidos, três deles acusados do crime de homicídio por negligência.
É o caso de Paulo Neves, que conduzia alcoolizado a 30 km/hora, no sentido Norte/Sul, perto de Santarém; a fadista Cristina Branco, que embate no primeiro veículo e deixa o seu parado no meio da A1; e Ivo Lucas, condutor do carro onde seguia Sara Carreira, sua namorada à altura, que embate violentamente capotando várias vezes. Tiago Pacheco, o último envolvido, que chegou a bater no carro de Ivo, é acusado de condução perigosa.
À chegada ao Tribunal de Santarém para a primeira audiência do julgamento, Tony Carreira reagiu às perguntas dos jornalistas: “Isto é muito duro. Escrevam o que é verdade, simplesmente.”
Durante o dia, o cantor ouviu os testemunhos dos arguidos, reagindo com emoção, baixando a cabeça e evitando olhar para as imagens de videovigilância do violento embate, numa altura em que o estado de saúde do pai o preocupa bastante. Albano Antunes, de 84 anos, voltou a ficar internado no Hospital Garcia de Orta, em Almada, onde foi submetido a uma delicada cirurgia, já depois de ter recebido alta de um primeiro episódio.
No tribunal, a ex-mulher de Tony, que esteve sempre de óculos escuros, não conseguiu evitar as lágrimas perante a dureza dos relatos, e chegou mesmo a abandonar a sala quando foram referidos pormenores do estado em que a filha foi encontrada.
Depois de ouvido Paulo Neves, Cristina Branco referiu ao coletivo de juízes ter “um lapso temporal”, mas recorda-se que protegeu a filha, que seguia consigo na viatura, com o braço. Depois de sair do carro, que ficou em quatro piscas e em sentido contrário, aguardou no separador central da A1: “Estava ao telefone com o 112, foi a minha filha que viu esse momento e não eu. A minha filha começa a gritar, e eu olho e vejo um carro a sobrevoar as nossas cabeças.”
Seguiu-se o depoimento de Ivo Lucas, que se emocionou ao recordar os últimos momentos com Sara, numa viagem “sem pressa em chegar”, depois de terem estado no Porto: “Eu disse-lhe: tenho muita sorte em ter-te na minha vida. E ela diz-me: ‘E eu a ti.’ Neste momento, a Sara grita: ‘Cuidado!’ Deparo-me com um vulto. A única memória que tenho é de estar no meio da autoestrada com o braço partido sem t-shirt e sem saber onde estava, e sem saber da Sara. É tudo muito rápido, todas as memórias que tenho são flashes. Senti muita pressão na cabeça. Não sei explicar, é uma sensação de montanha-russa.” A chorar, acrescenta: “Lembro-me de olhar para o meu braço e ver o braço desfigurado e não perceber o que se estava a passar, se era um sonho.”
Entre as testemunhas ouvidas da parte da tarde, o depoimento do antigo bombeiro, Joaquim Barbeiro, que parou no local, foi um dos mais duros para os pais de Sara: “Apareceu uma senhora que é médica e, juntos, cortámos o cinto para conseguir pôr a vítima em posição [lateral de segurança], mas já estava em paragem cardiorrespiratória.” Também a última testemunha ouvida, que parou para ajudar no local do acidente, detalhou o estado grave em que se encontrava a filha de Tony Carreira, levando a que a ex-mulher saísse, perturbada, seguida do próprio cantor.
À saída do tribunal, Tony Carreira não escondeu sentir-se “desiludido” com o que ouviu. “Tenho muita compaixão para dar e vender, mas não para mentiras”, afirmou, não revelando a quem se referia. Questionado sobre a alegada amnésia de Cristina Branco, que pediu à juíza para não estar presente à tarde, o cantor disse: “A amnésia está na moda nos tribunais.”
Alguns minutos depois, o advogado do cantor, Manuel Magalhães e Silva, fez um balanço sobre o primeiro dia de julgamento, admitindo haver “algumas contradições”: “Continua a comprovar-se que houve várias culpas na morte da Sara Carreira.” Já acerca de Tony se ter referido a “mentiras”, acrescentou: “As pessoas vão dizendo aquilo de que se recordam e depois cada um faz a sua apreciação. Não faço a menor ideia se as pessoas não se lembram ou se não se querem lembrar".