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Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'Temos mesmo de estar sempre a queixarmo-nos?'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: Carlos Ramos
Redação Lux em 26 de Novembro de 2020 às 18:00

'Temos mesmo de estar sempre a queixarmo-nos?' por Filipa Guimarães

“Não se queixar nunca; a queixa sempre traz descrédito.”
Baltasar Gracián y Morales

Sempre achei que o ditado popular “casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão” estava errado. Porque as pessoas lamentam-se à sua escala e todos têm a sua motivação. E depois, como qualquer outro ditado popular, há um outro a desmenti-lo. Andamos todos “presos por ter cão, presos por não ter”. E lá vai mais outro ditado.... Dou a mão à palmatória: eu queixo-me. Não que ache bem fazê-
-lo. Os meus mais próximos (distribuídos pelos que se queixam muito e os que quase nada, os que só falam deles e os que ouvem), devem cansar-se, pois é claro. Como se tivessem a obrigação de me ouvir, só porque são mais próximos. Fazemos o mesmo quando queremos festejar? Se não, devíamos. Ainda não estamos em tempo de resoluções de ano novo, mas antecipo--me já. Para o ano, vou queixar-me menos. Não, não tem a ver com a Covid-19. Se entrarmos num coro de cansaço (já muito sentido) vamos contagiar os outros com o nosso desânimo. Esta semana, senti-me do tamanho de uma formiga ao saber, e pelo Facebook, que uma amiga que sempre vi a rir, toda a vida, tinha tido alta de um cancro muito prolongado no tempo. Era o fim de um calvário e ela estava tão feliz que quis contar aos amigos e agradecer aos familiares e a Deus. Sempre a conheci como uma católica praticante e muito crente. Durante anos e anos, nunca disse aos amigos o que tinha nem por quantas cirurgias passou (não digo aqui quantas, porque não tenho esse direito, mas foram muitas!), o calvário dos tratamentos das terapias, a ansiedade dos exames e da vinda dos resultados. Durante esse tempo, e que eu tenha sabido, andou sempre com um sorriso na cara. Por isso, como adivinhar o que se passava com ela? Como eu, muitos amigos ficaram espantados com a sua coragem. Ao contrário da maioria e do que é muito o nosso costume português, não houve um único lamento a um conhecido. Essa pessoa sofreu, não nos enganemos. Quem passa por tantos anos com essa faca chamada “cancro” na vida, sofre. Física e moralmente. Por si e pelos que ama. No entanto, esta pessoa esteve sempre a dar sorrisos, ajuda e alegria. Há mais pessoas assim. E devemos pensar que existem muitas mais. Talvez isso relativize os nossos problemas e dores, frustrações e contrariedades. Não me refiro a calar, nem a deixar de procurar ajuda. Falo apenas nessa grandeza de espírito que foi viver tanto tempo sem lamento. Parabéns, amiga.
E, já agora, muito obrigada por seres assim.

(Crónica publicada na revista Lux 1073 de 23 de novembro)

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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