PUB
PUB
Nacional
Pote de água por Tiago Salazar: 'Avante, Camaradas'
Tiago Salazar
Redação Lux em 29 de Outubro de 2020 às 10:00

Avante, Camaradas por Tiago Salazar

Se nos víssemos como os outros nos vêem ficaríamos arrepiados, ou talvez irados, furiosos, prontos para a guerra. E vice-versa. Mas é neste vice-versa que há todo o Trabalho a fazer. Por estes dias sombrios, o PCP é “julgado” pelos seus actos públicos. É gozado pela sua festa ao arrepio da sanha do distanciamento social.
Tenho memória de um político à Lincoln, digamos assim, ou como imaginamos o pai fundador da América moderna. Chamava-se Manuel Gírio, era comunista afectivo de matriz cristã e seguidor do deus do esparguete, e nunca ocupou um cargo público notável. Foi dramaturgo e poeta mais do que tudo, como o defunto Václav Havel. Agora, nesta hora de suspense pandémico, esperamos um Messias goês, um dirigente com nome e feições e bravura de índio, um padre lírico ou um corajoso activista? Eu espero duas ou três coisas de um governo, governante ou líder, para me sentir pacificado com a ideia de nação valente, e voltar a ter esperança na ressurreição da ideia de pátria, além de me contentar com os gozos da língua e da escrita. Uma delas é simples: derrubar a ditadura mental.
Volta e meia, por norma em tempos sombrios, volta ao barulho o tema da supremacia que leva inevitavelmente ao conflito. Somos o que Somos. Humanos, de raça, dispersos e errantes por uma terra limitada, ignorantes de certezas. Nem o ser humano mais dotado de intelecto tem as respostas para o que fazemos nós aqui. A supremacia é da Natureza e cada atentado do Homem contra ela reflecte-se – segundo a lei universal de causa-efeito – em destruição. Tal como cada acto em sua defesa, respeito e protecção, origina um clima auspicioso. Falando por mim, que me eduquei e educo às minhas custas (por defeito de curiosidade) na observação das espécies (todas sem excepção), à luz da sociologia, da ciência política, da filosofia, da religião, da antropologia, da etnologia… não só me verão bater-me contra o racismo, o autoritarismo, o sectarismo e todo o caudal de exploração do homem pelo homem, como também podem esperar o seguinte: quem me insultar ou tresler leva com o tinteiro nos fagotes.  
É estranho termos tão poucos laços com a Natureza, com os insectos, com a rã saltitante e com o mocho que pia por entre os outeiros, chamando a sua companheira. Nunca demonstramos ter uma certa simpatia por todos os seres vivos da Terra. Se pudéssemos estabelecer uma relação intensa com a Natureza, nunca mataríamos um animal para saciar o nosso apetite, nunca feriríamos nem dissecaríamos um macaco, um cão, uma cobaia para nosso proveito. Encontraríamos outras formas de cicatrizar as nossas feridas, curar os nossos corações.
O ser humano matou e continua a matar milhões de baleias e tudo o que obtemos desse massacre pode ser conseguido por outros meios. Mas, ao que parece, o Homem gosta de matar, gosta de matar o veado em fuga, a gazela maravilhosa e o elefante pujante. Adoramos matar-nos uns aos outros. Esta chacina humana nunca se deteve em toda a história da vida do Homem na Terra. Se conseguíssemos – e é imperativo fazê-lo – estabelecer uma relação profunda e duradoura com a Natureza, com as árvores, os arbustos, as flores, a erva e as nuvens velozes, nunca mais massacraríamos outro ser humano, por motivo algum.
Assassínio organizado é sinónimo de guerra.
Agora vou fumar um puro (cubano).

(Crónica publicada na revista Lux 1069 de 26 de outubro)

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
Comentários

PUB
pub
PUB
Outros títulos desta secção