“Venho de um país onde a arrogância é o prato do dia e encontrei nos portugueses uma característica que me prendeu: a humildade„
Aos 50 anos de vida de Chakall dividem-se entre os dois lados do Atlântico. Uma primeira metade passada na Argentina, onde cresceu numa família de cozinheiros, e a outra em Portugal, a terra que o conquistou e onde tem criado raízes.
“Aqui aceitei o meu karma. Constituí família, fiz bons amigos. É um país que me permite ser quem sou e que contribuiu para o meu crescimento pessoal e profissional de uma forma que considero bonita. Deixei-me cativar e sinto-me português”, explica o chef, que atualmente tem vários restaurantes espalhados de norte a sul.
“Vou ter de contar pelos dedos para não me perder! [risos] Em Lisboa temos o Refeitório, o Chakburger, o L’Origine by Chakall, o Envy by Chakall e o Luz by Chakall. Saindo de Lisboa, encontramos o Chakburger, em São João do Estoril, e o Areal Beach Bar, na Lourinhã, onde temos também um corner do Chakburger, mesmo na praia. A norte, o La Susy, em Gaia, onde podem encontrar as melhores empanadas argentinas (receita da minha mãe) e o Zapata by Chakall, no Porto. No Algarve, o Fuel by Chakall e o The Pr1me Beach Club, em Monte Gordo. Uff... acho que não me esqueci de nenhum!”
Se na profissão os projetos se multiplicam, na família o chef é um homem rodeado de afetos. Com quatro filhos, de idades entre os 7 e os 19 anos, Chakall revela-se um pai dedicado e companheiro: “Quero estar atento ao que são, aos seus sonhos e às suas dificuldades, e acompanhá-los da melhor forma.”
Numa conversa com a Lux, o cozinheiro recorda o seu percurso, fala das suas inspirações e revela novidades, como as mais recentes propostas do seu restaurante em Monte Gordo.
Lux – Está há 25 anos em Portugal. Como é que olha para esta caminhada no nosso país?
C. – Uma descoberta constante! Costumo dizer que poderia ter escolhido outros países, se calhar até com outras condições económicas mais favoráveis, mas há para mim um fator que me fez ir ficando, que são as pessoas. Fui e sou sempre muito bem acolhido onde quer que vá, sinto-me permanentemente abraçado pelas pessoas. Sinto-me verdadeiramente em casa! Não podia ter pedido país melhor para viver. Balanço francamente positivo, obviamente!
Lux – De que maneira é que a vivência em Portugal o moldou, não só enquanto chef mas também enquanto homem?
C. – Desde logo foi um país que me fez assumir esta paixão pela cozinha, que tinha adormecida. Na Argentina, a determinada altura, fugi a sete pés daquele que parecia o meu destino inevitável, já que sou a quarta geração de cozinheiros da família. Aqui aceitei o meu karma. Constituí família, fiz bons amigos. É um país seguro e estável, afável, que me permite ser quem sou e que contribuiu para o meu crescimento pessoal e profissional de uma forma que considero bonita. Apesar de ter vindo para cá apenas para passar um tempo a preparar a minha expedição a África, deixei-me cativar e sinto-me português. Tenho tantos anos de vivência no meu país de origem como em Portugal. Passei por outros sítios, pelo meio, vivi em França, na Alemanha, mas foi Portugal que me cativou. Venho de um país onde a arrogância é o prato do dia e, em Portugal, encontrei nos portugueses uma característica que me “prendeu”: a humildade. E é genuíno e muito autêntico. Diria que a vivência em Portugal, além de outras coisas, me trouxe esta importante lição de vida e tornou-me uma pessoa mais humilde, mais autêntica.
Lux – Como é que recorda o Chakall que saiu do seu país há 25 anos? Que tipo de homem era naquela altura?
C. – Um jovem cheio de sonhos, com muita vontade de conhecer o mundo. Tinha acabado de me despedir do jornal onde trabalhava e onde ganhava um salário fenomenal. Porém, não estava feliz e não tive medo de arriscar o desconhecido. Não me acomodei e parti. Olho para trás e sinto um orgulho enorme daquele rapaz.
Lux – Este ano celebrou 50 anos. Sente que é uma idade especial de alguma forma?
C. – Tal como todas as outras idades. Tenho a imensa sorte de ter celebrado a data com a família que vive em Portugal, com os meus filhos e com os meus amigos de cá e de outras partes do mundo. Todos os anos da nossa vida podem ser especiais, depende do que fazemos com eles...
Lux – O que é que a idade lhe trouxe?
C. – Talvez uma maior vontade de aproveitar a vida. Sou, por natureza, muito focado no trabalho e nos projetos nos quais me envolvo ou crio, mas sinto também uma necessidade
de me prestar mais atenção e ao tempo de qualidade que passo comigo mesmo e com os que me rodeiam. Diria que me trouxe calma q.b.
Lux – É fácil conciliar o seu lado profissional com o papel de pai?
C. – Às vezes, é difícil conciliar, sobretudo com os compromissos fora, mas diria que enfrento os mesmos desafios que qualquer pai ou mãe. Os meus quatro filhos também estão habituados ao meu ritmo e a todas as solicitações à minha volta. Sempre conviveram com isso desde que nasceram. Acompanham-me para todo o lado. Tenho dois filhos, de momento, em Portugal e duas filhas a viver com a mãe na Alemanha. Para o ano, em princípio, estarão os quatro a viver comigo aqui em Portugal. Somos uma família dinâmica! Cada um tem a sua personalidade, têm idades bem diferentes, gostos distintos e gosto desta sensação de poder ser um pai diferente para cada um deles. Cada um tem o seu próprio mundo e o seu próprio ritmo, e eu gosto desta diversidade única! Só tenho um rapaz, o Zoel, que tem 19 anos, e somos muito companheiros. A Soluna, com 17, e a Leanne, com 15, estão na fase da adolescência, uma delas é vegan. E a mais nova, a Noa, com 7 anos e meio, está naquela fase deliciosa da escola a aprender a ler e a descobrir imensas coisas. É maravilhoso acompanhar cada um deles em fases tão distintas! Acho que cada um foi buscar pedaços de mim de alguma forma.
Entrevista exclusiva na edição 1777 da revista Lux