"Avante, estupidez!" por Filipa Guimarães
As comparações podem ser inúteis, mas todos as fazemos nesta altura em que não podemos (ou não devemos) fazer festas privadas com muitas pessoas e em que festivais de música e outros que tais foram cancelados por questões sanitárias. Já houve quem tivesse criticado a celebração do 1 de Maio, e com razão. É certo que já passaram quase quatros meses, mas a Festa do Avante é uma prepotência do Partido Comunista. E parece uma arbitrariedade do poder político, que não autoriza público nos estádios, por exemplo. Mesmo sabendo da lendária capacidade de organização do PCP, assistindo às regras e contrarregras sobre os cuidados a ter, fica uma pergunta no ar: terá a nossa democracia algum complexo para só permitir iniciativas da esquerda clássica? É, afinal, para não parecer mal a quem? Será uma composição para a multimilionária Champions League, tão fortemente criticada? Não consigo perceber porque é que temos de dizer que sim a uma festa. O fator da tradição não pode contar. Se assim fosse, teria mais lógica permitir as festas populares, essas sim completamente apolíticas e sem bilhetes de entrada. Existe um medo qualquer em dizer “não” ao PCP que é injustificável. Eu gostaria imenso de ter ido a imenso lado e não fui. Estive a ver o vídeo de promoção da festa em causa. Não há dúvida que está bem organizada: faixas de distanciamento entre as pessoas, sentidos de circulação do público. Quase parece um exame de condução pedonal, versão Covid-19, desculpem-me a ironia. O que é que a Festa do Avante tem para dizer de novo? O que é que ela tem que um qualquer outro festival não possa ter? Já lá vão os tempos em que só ouvíamos o Pablo Milanés em certames do PCP. A Festa do Avante deixou de ter, há muito, uma programação com artistas conotados com a esquerda? Também o público era multipartidário. Num tempo em que temos e teremos de nos adaptar a tanta coisa nova, a Festa do Avante podia passar a chamar-se Festa Pedante, já que de humilde nada tem. Diria mesmo que é de um autoritarismo insuportável no nosso regime político. Não se entende então, como é que os mais atiçados críticos das presidências Trump e Bolsonaro, venham depois criticá-los por negarem as evidências. Ainda há muitos idosos fechados em lares, doentes sem visitas e Portugal ainda não é destino turístico para muitos países. Sou contra esta festa, sem complexo político. Como seria contra irmos todos, com a mesmíssima boa organização do Avante, 100 mil pessoas ver o Tony Carreira ou um jogo da Champions League (ou outro qualquer), sem o tão exigido distanciamento. Esta lógica intrincada era dispensável.
(Crónica publicada na Lux 1059 de 17 de agosto)