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Lux Especial Criança Primavera/Verão 2010: A qualidade do tempo
Lux Especial Criança
Redação Lux em 30 de Abril de 2010 às 00:37
Tempo de qualidade. Muito se fala deste conceito que tenta desculpar e colmatar a falta de tempo com pedaços de tempo que, ainda que curtos, cumpram o propósito de se tornarem memoráveis. A ideia é brilhante e nela se baseiam critérios e fundamentam teorias que vão do marketing à arquitectura e em que do menos se faz mais. Sem hesitações, agendem-se, então, vários dias por semana, ou horas por dia, ou apenas minutos de algumas horas, sob a pomposa designação Tempo de Qualidade com os Miúdos. O alívio é quase imediato. Está agendado, é como se já estivesse feito, habituados que estamos a cumprir horários, a executar tarefas e a alcançar metas. Acontece que, à hora marcada, o tempo está lá, mas a qualidade tarda a chegar. Os miúdos estão insuportáveis, barulhentos, implicativos, cheios de sono, de fome ou apenas virados para outro lado e os pais cansados e a calcularem, na balança do dever e do haver, o deficit de atenção para consigo mesmos: nem um segundo para si próprios durante o último mês, talvez até durante o último ano. E logo nessa precisa hora, marcada sob a sonhadora designação Tempo de Qualidade com os Miúdos, um documentário na televisão que tanto gostavam de conseguir ver do princípio ao fim, para variar.

É o universo do mal a conjurar contra as agendas pessoais dos pais, a ditar outros tempos e outras qualidades. Passa a hora determinada, da alegada qualidade, os miúdos já na cama, e os pais a sonharem com a sua própria cama. Das muitas qualidades que o tempo tem, apenas duas estão garantidas: o tempo passa e o tempo esgota-se.

Idealizar que a qualidade pode ter hora marcada é um erro crasso fruto de uma enorme, ainda que bem-intencionada, ingenuidade. A felicidade não se agenda. O tempo de qualidade acontece quando acontece, quando menos se espera, por vezes fora de qualquer programa, sublinhando a marcador grosso e fluorescente a sua arrogante e caprichosa extemporaneidade.

O tempo de qualidade é aquilo que fica no coador da felicidade e que a memória depois apura. Soma-se a este engenhoso e subjectivo filtro o facto de que aquilo que os pais entendem por qualidade não ser o que é recebido e entendido pela criança como um tempo bom, divertido e entusiasmante. Um tempo que gostariam mesmo, mesmo, de repetir.

As gargalhadas nem sempre se colam às piadas, e a felicidade surge de coisas e momentos inesperados, daqueles que é impossível antecipar a caneta numa página de agenda. O tão almejado Tempo de Qualidade é igual ao requeijão (não acredita?), para chegar a ele são precisos muitos litros de leite. A qualidade é aquilo que se apura depois de muito e muito tempo juntos, a partilharem muitas horas, umas boas outras más, outras assim-assim, depois de se viver muitas coisas, de se conversar sobre isto e mais aquilo, a conhecerem-se mais e mais, a aprenderem um com o outro, a dividirem choros e a multiplicarem risos.

Sem muito tempo não surge qualidade. Por isso, a solução é mesmo passar muito tempo com os miúdos, em vez de almejar graus superlativos e absolutos de grandeza. Mais, por vezes é mesmo mais, e só a quantidade de tempo passado juntos pode construir qualidade. Por isso, e agora que o bom tempo se adivinha, é tempo de passar mais tempo com os miúdos. Talvez também por isso, por não se poderem antecipar nem agendar dias bons, também as férias de Verão são grandes e quem as inventou sabia bem como o tempo é matreiro. Assim, num maior número de dias, há mais possibilidades de conseguir mais momentos de felicidade. Quantos momentos desses caberão nestas férias?



Marina Ribeiro (mribeiro@mce.iol.pt)



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Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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