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Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'Sem paciência para “resiliência”'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: Carlos Ramos
Redação Lux em 22 de Abril de 2021 às 18:00

Sem paciência para “resiliência” por Filipa Guimarães

“Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que mais se ama.
Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.”
Bob Marley

É pena que ainda nenhuma televisão ou rádio tenha andado, na rua, a perguntar aos cidadãos comuns se sabem o que é que a palavra “resiliência” significa. Não há que ter vergonha em não saber termos poucos habituais na linguagem comum. Sobretudo agora, com o Plano de Recuperação e Resiliência, as doses do termo têm sido intoxicantes. Acaba por ser um género atualizado do “aguenta”, tão banalizado aquando da vinda da troika (outro termo inédito!) para Portugal. Eu também não sabia o que queria  dizer “resiliência” até a ter ouvido, pela primeira vez, há uns 15 anos. O pai de um amigo dizia-me que este precisava de ser mais “resiliente”. Sem vergonha, perguntei-lhe o que era isso. O senhor, por sinal um militar de carreira, lá me explicou que era ser mais persistente, não se deixar ir abaixo com as contrariedades. Pois a nós, que não andámos na tropa, mas que já passámos por momentos de crises (os mais velhos ainda mais), pedem-nos que sejamos “resilientes”.
De acordo com o Dicionário Online da Língua Portuguesa, a palavra (em inglês, resilience) tem origem do latim “resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)”. No reino da física, é a propriedade que um corpo tem em voltar à forma original depois de um choque ou deformação. Em sentido figurado, tem a ver com a capacidade de ultrapassar as dificuldades, ou “desafios”, como atualmente também está na moda dizer-se. E em sentido real, digo eu, quer dizer muita paciência. Porque é isso que precisamos de ter para aguentar tantos meses de pandemia, tanta incerteza sobre o futuro, para além dos problemas que já temos. Vamos ter a “bazuca”, mas ninguém nos livra de anos difíceis: mais instabilidade, mais desemprego, mais pobreza. Os portugueses não são estúpidos e não merece muito a pena complicarem as nossas existências com termos que não nos são familiares, importados como as vacinas para a Covid-19 ou a famigerada aplicação para telemóvel em inglês STAYAWAY
Covid, que morreu quase à nascença. Porém,
a “resiliência” não está só no que diz respeito a novas maneiras de dizer as coisas menos agradáveis. Já repararam que ninguém tem problemas? Agora, a palavra de ordem é “desafio”, para tudo e para mais alguma coisa. Desde os feitos desportivos até ao excesso de peso. Vivemos na era de ter imensos desafios pela frente: esperar pela vacina, adaptarmo-nos ao teletrabalho, apoiar os demais e sermos todos “resilientes”. Não há paciência para tantos desafios novos, inclusivamente os linguísticos.

Crónica publicada na Lux 1094 de 19 de abril

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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