Sem paciência para “resiliência” por Filipa Guimarães
“Difícil não é lutar por aquilo que se quer, e sim desistir daquilo que mais se ama.
Eu desisti. Mas não pense que foi por não ter coragem de lutar, e sim por não ter mais condições de sofrer.”
Bob Marley
É pena que ainda nenhuma televisão ou rádio tenha andado, na rua, a perguntar aos cidadãos comuns se sabem o que é que a palavra “resiliência” significa. Não há que ter vergonha em não saber termos poucos habituais na linguagem comum. Sobretudo agora, com o Plano de Recuperação e Resiliência, as doses do termo têm sido intoxicantes. Acaba por ser um género atualizado do “aguenta”, tão banalizado aquando da vinda da troika (outro termo inédito!) para Portugal. Eu também não sabia o que queria dizer “resiliência” até a ter ouvido, pela primeira vez, há uns 15 anos. O pai de um amigo dizia-me que este precisava de ser mais “resiliente”. Sem vergonha, perguntei-lhe o que era isso. O senhor, por sinal um militar de carreira, lá me explicou que era ser mais persistente, não se deixar ir abaixo com as contrariedades. Pois a nós, que não andámos na tropa, mas que já passámos por momentos de crises (os mais velhos ainda mais), pedem-nos que sejamos “resilientes”.
De acordo com o Dicionário Online da Língua Portuguesa, a palavra (em inglês, resilience) tem origem do latim “resilio, -ire, saltar para trás, voltar para trás, reduzir-se, afastar-se, ressaltar, brotar)”. No reino da física, é a propriedade que um corpo tem em voltar à forma original depois de um choque ou deformação. Em sentido figurado, tem a ver com a capacidade de ultrapassar as dificuldades, ou “desafios”, como atualmente também está na moda dizer-se. E em sentido real, digo eu, quer dizer muita paciência. Porque é isso que precisamos de ter para aguentar tantos meses de pandemia, tanta incerteza sobre o futuro, para além dos problemas que já temos. Vamos ter a “bazuca”, mas ninguém nos livra de anos difíceis: mais instabilidade, mais desemprego, mais pobreza. Os portugueses não são estúpidos e não merece muito a pena complicarem as nossas existências com termos que não nos são familiares, importados como as vacinas para a Covid-19 ou a famigerada aplicação para telemóvel em inglês STAYAWAY
Covid, que morreu quase à nascença. Porém,
a “resiliência” não está só no que diz respeito a novas maneiras de dizer as coisas menos agradáveis. Já repararam que ninguém tem problemas? Agora, a palavra de ordem é “desafio”, para tudo e para mais alguma coisa. Desde os feitos desportivos até ao excesso de peso. Vivemos na era de ter imensos desafios pela frente: esperar pela vacina, adaptarmo-nos ao teletrabalho, apoiar os demais e sermos todos “resilientes”. Não há paciência para tantos desafios novos, inclusivamente os linguísticos.
Crónica publicada na Lux 1094 de 19 de abril