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Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'A depressão mata. O sensacionalismo também'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: DR
Redação Lux em 2 de Julho de 2020 às 18:00

A DEPRESSÃO MATA.
O SENSACIONALISMO TAMBÉM

Antes de tudo, sou contra noticiar suicídios. Por serem do foro íntimo e privado e porque está provado que a sua divulgação pelos media desencadeia o chamado “efeito Werther” ou “efeito Papageno”, que consiste em desencadear outros suicídios. Não seria, certamente, essa a vontade do Pedro Lima. O ator, companheiro, pai, amigo, desportista e tantas coisas mais, foi vencido por uma doença muito grave. Como o cancro, a diabetes ou a tensão alta, a depressão também pode matar. Foi o triste caso do Pedro, querido de tanta, mas tanta gente... Não é preciso ser psiquiatra, basta estar minimamente informado para saber que podem existir fatores hereditários ou genéticos, ambientais e outros que podem levar uma pessoa a uma depressão ou agravá-la. Ao contrário de outras patologias que se podem medir e demonstrar facilmente, a depressão é como um manto escuro que cobre a pessoa doente e que é, muitas vezes, transparente para os outros. Perigosamente transparente. Tanto que, para quem está de fora (e até mesmo dentro dele) quase parece que está tudo bem. Pedro Lima não foi falso quando aparentou ter uma vida feliz, seja lá o que isso for. Certamente também o foi. Só que a depressão é como uns óculos escuros que não deixam ver, é uma onda gigante em que se é engolido, uma grilheta pesada que se arrasta nos pés. Um sentimento de desespero, de incapacidade de ser feliz, em paz. Dizer que o Pedro “desistiu” não é justo, nem para ele nem para quem mais o chora. Porque é tudo ao contrário. O Pedro foi forte até ao limite das suas forças. A depressão empurrou-o, venceu-o. Não é culpa da sua mulher, nem dos filhos, nem do trabalho. Qualquer coisa que se diga nesse sentido é um insulto ao Pedro. Como a tantos outros que foram empurrados para o fim. O Pedro não escolheu ficar ou estar deprimido. Não foi o primeiro ator ou figura pública a “cometer suicídio”. Nem será, infelizmente, o último. Neste momento, as palavras importam e, sobretudo para os que ficam, não pode haver pior do que pensar que alguém “desistiu” delas. Como se fosse uma coisa fácil ou egoísta. Não foi nada disso. As mensagens que deixou mostram bem que a coisa mais importante para ele eram os filhos, a família. E continuam a ser, mesmo não estando cá. Se imaginarmos, por um minuto que seja, o peso invisível mas esmagador da depressão, só temos é que nos curvar perante a coragem que ele teve. Talvez alguém pudesse não ter ligado na hora certa, talvez lhe faltasse alguma coisa, talvez tivesse discutido, talvez tivesse atrasado uma consulta, talvez o confinamento tivesse agravado as suas preocupações, talvez... muita coisa. Mas é só talvez. A depressão estava lá, a matá-lo aos poucos. Honrá-lo e amá-lo será agora ajudar a família dele no que ela precisar. Estimar a sua memória é levar a depressão a sério. Ninguém está livre de ser vítima desta doença. Respeitem-se os doentes. Respeite-se a memória do Pedro Lima. Respeite-se a família.

(Crónica publicada na Lux 1052 de 29 de junho)

 

 
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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