GENTE SÉRIA? CLARO QUE AINDA HÁ por Filipa Guimarães
“Ainda há gente séria.” Não é só uma expressão que todos conhecemos desde o berço e é usada a torto e a direito (por regra, quem a diz autoinclui-se nessa pequena minoria). Sempre ouvi isto, mas poucas vezes o digo, pois faço parte de outra minoria que acredita que toda a gente é honesta e está de boa-fé com o seu semelhante. Chamam-me ingénua, mas prefiro ser assim. Desconfiar de tudo e todos dá tanto trabalho e, para além do mais, valerá a pena? Isto vem a propósito de perder coisas. Existem pessoas que não roubam propriamente, mas ficam com tudo o que encontram, sem se preocuparem minimamente que pode andar alguém desesperado à procura delas. Nem sequer pensam em entregar as coisas na esquadra mais próxima (para quem não saiba, a PSP tem uma secção de Perdidos e Achados). Claro que ficar com uma nota perdida no meio de um monte não é bem a mesma coisa que ficar com um relógio ou um porta-moedas. Há uma série de pertences pessoais, como porta-moedas, carteiras, sacos, telemóveis, chaves, que deveriam, pelo menos, preocupar um bocado quem os encontra por aí. A meu ver, é uma questão muito básica de cidadania. E do mínimo de boa vontade. Há dias, tive o pesadelo de deixar cair o meu computador, fino e ultraleve, num táxi que apanhei em Campanhã, no Porto. Escorregou de um saco, enquanto procurava o meu cartão multibanco, às apalpadelas. Era noite e tinha pouca luz. Pouco depois, quando dei por falta dele, entrei em pânico. E agora, como é que iria escrever, ler o jornal, marcar consultas e mais uma série de coisas que já só faço por computador? No talão de pagamento da corrida do táxi, não constava nenhum número de telefone, mas tinha escrita a morada de uma empresa. “Googlei” a tal firma de táxis e só me apareceram mais moradas. Todas sem telefone. Contactei a CP, as duas centrais de táxi do Porto, PSP e... nada. Desesperada, enfiei-me no carro e toquei no andar da morada mais próxima do meu destino: Matosinhos. Mas ninguém atendeu. Estava já quase a perder a esperança quando me lembrei da existência do Google Earth. Talvez existisse algum café ou loja por perto. Foi então que encontrei uma florista com o número de telefone no toldo. Respirei fundo e telefonei. Por sorte, o senhor da loja sabia que existia um taxista por perto. Pedi-lhe que me fizesse um grande favor: localizá-lo. Passado duas horas, recebo uma chamada e tinha o telemóvel do dito taxista nas mãos! Ele não tinha encontrado o meu computador, mas prometeu falar logo para o irmão, que era tão-só o dono da empresa de táxis. Tive uma sorte de que jamais me esquecerei. Um dos motoristas tinha encontrado o meu aparelho no chão do carro, que andou a “passear” durante quase 24 horas. Durante esse tempo todo, deixou e apanhou passageiros, mas só ao fim do dia seguinte, ao fazer a vistoria ao automóvel, se apercebeu do objeto caído, contou-me. Apeteceu-me deitar foguetes e abrir champanhe, de tanto júbilo. Mas mais singular e digno de nota que a minha sorte, foi ter verificado mais tarde, que o taxista “sério”, já estava a tentar contactar-me via Facebook. Como? Através do nome e de uma fotografia minúscula. “Ainda bem que não desliguei o computador”, pensei. A tarefa não era fácil, pois existem mais pessoas com o meu nome. Foi mais extraordinário ter chegado a mim. Esta é uma história de que me vou lembrar para sempre. Para perdidos e achados as redes sociais e outras ferramentas como o Google Earth, são grandes ferramentas. Porém, mesmo que tivesse outros mecanismos de localização, estes de nada serviriam sem a boa-fé de alguns e a seriedade de um. Há gente séria, sim!
(Crónica publicada na revista Lux 1063 de 14 de setembro de 2020)