PUB
PUB
Nacional
Alta Costura por Filipa Guimarães: 'Gente séria? Claro que ainda há'
Alta Costura na Lux por Filipa Guimarães, jornalista e escritora Foto: Carlos Ramos
Redação Lux em 17 de Setembro de 2020 às 18:00

GENTE SÉRIA? CLARO QUE AINDA HÁ por Filipa Guimarães

“Ainda há gente séria.” Não é só uma expressão que todos conhecemos desde o berço e é usada a torto e a direito (por regra, quem a diz autoinclui-se nessa pequena minoria). Sempre ouvi isto, mas poucas vezes o digo, pois faço parte de outra minoria que acredita que toda a gente é honesta e está de boa-fé com o seu semelhante. Chamam-me ingénua, mas prefiro ser assim. Desconfiar de tudo e todos dá tanto trabalho e, para além do mais, valerá a pena? Isto vem a propósito de perder coisas. Existem pessoas que não roubam propriamente, mas ficam com tudo o que encontram, sem se preocuparem minimamente que pode andar alguém desesperado à procura delas. Nem sequer pensam em entregar as coisas na esquadra mais próxima (para quem não saiba, a PSP tem uma secção de Perdidos e Achados). Claro que ficar com uma nota perdida no meio de um monte não é bem a mesma coisa que ficar com um relógio ou um porta-moedas. Há uma série de pertences pessoais, como porta-moedas, carteiras, sacos, telemóveis, chaves, que deveriam, pelo menos, preocupar um bocado quem os encontra por aí. A meu ver, é uma questão muito básica de cidadania. E do mínimo de boa vontade. Há dias, tive o pesadelo de deixar cair o meu computador, fino e ultraleve, num táxi que apanhei em Campanhã, no Porto. Escorregou de um saco, enquanto procurava o meu cartão multibanco, às apalpadelas. Era noite e tinha pouca luz. Pouco depois, quando dei por falta dele, entrei em pânico. E agora, como é que iria escrever, ler o jornal, marcar consultas e mais uma série de coisas que já só faço por computador? No talão de pagamento da corrida do táxi, não constava nenhum número de telefone, mas tinha escrita a morada de uma empresa. “Googlei” a tal firma de táxis e só me apareceram mais moradas. Todas sem telefone. Contactei a CP, as duas centrais de táxi do Porto, PSP e... nada. Desesperada, enfiei-me no carro e toquei no andar da morada mais próxima do meu destino: Matosinhos. Mas ninguém atendeu. Estava já quase a perder a esperança quando me lembrei da existência do Google Earth. Talvez existisse algum café ou loja por perto. Foi então que encontrei uma florista com o número de telefone no toldo. Respirei fundo e telefonei. Por sorte, o senhor da loja sabia que existia um taxista por perto. Pedi-lhe que me fizesse um grande favor: localizá-lo. Passado duas horas, recebo uma chamada e tinha o telemóvel do dito taxista nas mãos! Ele não tinha encontrado o meu computador, mas prometeu falar logo para o irmão, que era tão-só o dono da empresa de táxis. Tive uma sorte de que jamais me esquecerei. Um dos motoristas tinha encontrado o meu aparelho no chão do carro, que andou a “passear” durante quase 24 horas. Durante esse tempo todo, deixou e apanhou passageiros, mas só ao fim do dia seguinte, ao fazer a vistoria ao automóvel, se apercebeu do objeto caído, contou-me. Apeteceu-me deitar foguetes e abrir champanhe, de tanto júbilo. Mas mais singular e digno de nota que a minha sorte, foi ter verificado mais tarde, que o taxista “sério”, já estava a tentar contactar-me via Facebook. Como? Através do nome e de uma fotografia minúscula. “Ainda bem que não desliguei o computador”, pensei.  A tarefa não era fácil, pois existem mais pessoas com o meu nome. Foi mais extraordinário ter chegado a mim. Esta é uma história de que me vou lembrar para sempre. Para perdidos e achados as redes sociais e outras ferramentas como o Google Earth, são grandes ferramentas. Porém, mesmo que tivesse outros mecanismos de localização, estes de nada serviriam sem a boa-fé de alguns e a seriedade de um. Há gente séria, sim!

(Crónica publicada na revista Lux 1063 de 14 de setembro de 2020)

 
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
Comentários

PUB
pub
PUB
Outros títulos desta secção