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Nacional
Artesão alentejano cria peças à base de ossos e cornos de animais
Francisco Charrua
Redação Lux  com Lusa em 4 de Janeiro de 2010 às 12:10
Depois de cinco décadas a transformar ossos e cornos em pentes, cabos de facas ou objectos de decoração, até vendidos para o estrangeiro, o artesão de Évora, Francisco Charrua, já só encara a actividade como uma «entretenga».

«Isto hoje está praticamente parado. Põem-se uns cabos de corno nos canivetes e pouco mais», conta à agência Lusa o artesão, conhecido na aldeia onde reside, Graça do Divor, como «Chico dos Cornos», alcunha que diz não levar a mal.

Num anexo da sua casa, onde está instalada a oficina, por entre as máquinas e ferramentas antigas que já quase não têm uso, acumulam-se ossos e cornos por trabalhar de diferentes animais, como carneiros, vacas ou veados, e peças já transformadas, numa amostra de 48 anos de actividade.

Já com o irmão Manuel retirado do negócio, devido a doença, Francisco pondera seguir-lhe os passos. Mas houve tempos em que os dois artesãos não tinham «mãos a medir» para dar resposta às encomendas, vindas de todo o país e até do estrangeiro.

«Outrora, vinham emigrantes portugueses e outras pessoas do estrangeiro. Vinha o país inteiro cá buscar coisas, era do Algarve, Lisboa, Évora, de todo o lado. Chegava a fabricar, só para um cliente, 1.500 a 2.000 contos», lembra.

Uma «correria» que, mesmo já pertencendo ao passado, faz com que ainda hoje o «Chico dos Cornos» encha o peito de orgulho para afiançar que a sua empresa é «única no mundo», apesar de saber que existe artesanato semelhante proveniente de África e da Europa: «Mas fabricam muito menos do que nós fazíamos».

«Em matéria de acabamentos e na maioria dos modelos, somos considerados únicos no mundo. Tenho até algumas peças com cabo de osso que são únicas», insiste o artesão, que chegou a empregar 20 pessoas, incluindo irmãos e cunhados.

Ao todo, Francisco Charrua tinha para apresentar «à volta 500 modelos», de entre os quais «braceletes, escravas, azeitoneiras, amuletos, botões, pentes, fivelas e também abajures para candeeiros de vários tamanhos», além de cabos de canivetes.

Para criar as suas peças, o artesão explica que começa por cozer os cornos em água com potassa e lixívia, para os tornar «mais maleáveis e higiénicos». Depois de secarem, os cornos são trabalhados com lixas, limas, raspadeiras e pedra de esmeril.

O interesse de «Chico dos Cornos» pelo artesanato começou com apenas oito anos, quando já fazia «tarros» e «bugigangas» para enfeitar chapéus e colares. Mais tarde, aos 21, deixou a agricultura para se dedicar a tempo inteiro àquela arte e para «fugir» ao trabalho no campo.

«O artesanato significa a necessidade e os engenhos da miséria», diz o artesão, hoje com 70 anos, que está a pensar em desistir de vez do negócio, uma vez que não tem seguidor.

Mas, habituado àquela que é a sua «entretenga» diária e que lhe granjeou a alcunha, «Chico dos Cornos» não vai afastar-se da oficina definitivamente, preferindo encarar a arte em que se aperfeiçoou como um mero passatempo.

«Agora termino mesmo a sério. Se calhar [o artesanato] fica só como se fosse o meu `tabaco`, para fazer uns canivetes, e não vou passar daí», promete.
Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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