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Nacional
Pote de água por Tiago Salazar: 'Salazar I' e 'Turistas e Viajantes I'
Tiago Salazar
Redação Lux em 24 de Dezembro de 2020 às 10:00

por Tiago Salazar

SALAZAR I

Em teoria, vou a meio de uma vida. Se houver outras, e se outras já vivi, esta é a que me cabe viver por ora. E em boa hora a confesso ter vivido so far, ou como soe dizer-se, até à data. Há dias em que o cansaço próprio da meia-idade me toma conta dos carraços, mas ainda conservo, lá onde a vista não alcança, a pujança elefantina dos vikings minhotos e a teimosia dos mouros ribatejanos.
Sou um misto de homem de Neanderthal com um tal de Johnny Depp (menos acabado). Isto, a par de uma estatura mediana de um europeu do Sul, reveste a minha auto-estima de uma aura nórdica.

Quando já nada mais convém à minha infinita tristeza de estar mais velho, digo ao meu botão esquerdo que envelhecer é do caraças (com um sorriso malandro, como o da fotografia anexada). Para todos os efeitos, ainda levanto uma carroça, avio uma grade de minis e no braço de ferro com menores enfezados raramente perco. Sou um poeta de Pondichéry que nunca escreveu um poema de jeito e por isso faz rimas traquinas como esta, escrita aos 35, revista e aumentada.

Há quem espere o Salazar
Há quem espere o Sebastião
Eu cá só espero bazar
Com um surto de tesão
Nada mais quero desta vida
Amor com tudo, bacalhau e paixão
Baguito, dentes brancos e uma ermida
Para agasalhar os males da tensão


TURISTAS E VIAJANTES I

Nesta vida de guia-marujo dou de caras com vários espécimes de viajantes. Agora mesmo junto à Sé, dois ‘françius’ atléticos passam a correr, de licras cintadas, emborcam um golo isotónico, comentam a rosácea com ignara pedanteria (“une copie de la Notre Dame”) e estugam o passo rua acima. Confesso o meu desdém por mentecaptos, todos aqueles que recusam a experiência de contacto com o indígena e se munem de livros-guias para se inteirar das coisas dos outros com outros por desvendadores de mundos ocultos. Piora quando o único fito é tirar uma foto apressada e despachar tudo como quem ejacula sem apurar a demorada arte do coito. “Já fizemos tudo”, despejam, curtos dias depois de chegarem e partirem. O viajante vê, prescruta, ouve, atenta e enuncia. O turista avia Kodacs e arrepia caminho rumo ao altar da sensaboria.

(Crónica publicada na Lux 1077 de 21 de dezembro)

Este texto foi escrito ao abrigo do novo Acordo Ortográfico
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